Caixa de texto:

Amar é fogo que arde sem se ver;

             É ferida que dói e não se sente,

             É um contentamento descontente,

             É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer

             É solitário andar por entre a gente

             É nunca contentar-se de contente,

             É cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade

             É servir a quem vence, o vencedor

             É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor

             Nos corações humanos amizade

             Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

 

CAMÕES IN: “Líricas, redondilhas e sonetos”

Rio de Janeiro: Ediouro, s.d., p.71.

Busque Amor novas artes, novo engenho,

             Para matar-me, e novas esquivanças

             Que não ode tirar-me as esperanças

             Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!

             Vede que perigosas seguranças!

             Que não temo contrastes nem mudanças

             Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto

             Onde esperança falta, lá me esconde

             Amor um La, que mata e não se vê,

Que dias há que na alma me tem posto

             Um não sei quê, que nasce não sei onde

             Vem não sei como, e dói não sei por quê.

 

CAMÕES IN: “Líricas, redondilhas e sonetos”

Rio de Janeiro: Ediouro, s.d., p.64